sábado, 3 de março de 2012


Flávia Moraes
27 de Fevereiro de 2012



Nesta imagem tirada em 10 de outubro de 2011, largas colunas de fumaça se erguem de campos recém desmatados nas margens do rio Xingu. Crédito: Sensor MODIS, satélite Aqua, NASA.


Existe uma controversia sobre as consequências do desmatamento na quantidade de chuva sobre a Amazônia: há redução ou aumento? Agora a pergunta tem uma resposta: depende da escala. De acordo com cientistas do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, não se pode afirmar sobre as mudanças na precipitação sobre a floresta sem mensurar o tamanho da área desmatada.

No artigo “
A bacia amazônica em transição” (tradução livre de The Amazon basin in transition), publicado em janeiro deste ano na revista Nature, os pesquisadores explicam que desmatar uma pequena área na Amazônia, para agricultura ou pastagem, tende a reduzir a chuva na floresta circundante e aumentá-la sobre a porção desmatada. “Isso porque essa área sem vegetação torna-se mais quente e faz com que o vapor d’água migre da floresta e forme nuvens e chuvas sobre ela. Assim, aumenta a precipitação nesse local desmatado e diminui na floresta”, explica o presidente do Comitê Científico Internacional do LBA, Paulo Artaxo.



Por outro lado, desmatar uma grande área causa uma redução no fluxo de vapor d’água geral, já que se reduziu o montante de vegetação, causando uma diminuição da quantidade de chuva nessa área e também na floresta próxima a ela.

Desmatamento e fluxo dos rios

O que é o LBA?

Inicialmente mantido por acordos de cooperação internacional, desde 2007 o Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, na sigla em inglês) tornou-se um programa do Governo Federal, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Com diferentes equipes de cientistas, têm obtido resultados integrados para entender alguns mecanismos que envolvem as interações da floresta com a atmosfera, tanto em condições naturais como em floresta alterada.

O atual desafio do LBA é ampliar o entendimento sobre o funcionamento dos ecossistemas da bacia amazônica, integrando dimensões sociais e econômicas às pesquisas ambientais. Conforme artigo do professor Paulo Artaxo – Quebrando barreiras na pesquisa do clima (PDF anexo), o grupo de cientistas que pensou o projeto tinha a intenção de criar uma base científica através da qual seria possível entender como a região pode ser sustentavelmente desenvolvida. Para isso, estudam os rios e solos, usando imagens de satélites para controlar as mudanças no uso da terra; monitoram a composição atmosférica através de aeronave equipada para isso e analisam os fatores sócio-econômicos que levam ao desmatamento. Também foram instaladas mais de uma dúzia de torres de monitoramento em partes remotas da floresta para medir as variações nos níveis de gases traços, aerossóis, carbono e vapor de água, entre outros, bem como estudar o balanço de energia e o metabolismo das plantas.

Para saber mais acesse o atual
Plano Científico do LBA


O estudo revela outra consequência do desmatamento, a modificação no fluxo de água, observada nos rios Tocantins e Araguaia. A retirada da vegetação provoca um aumento no fluxo d’água e no risco de enchente. Conforme Artaxo, “o fluxo de água dos rios é consequência de uma série de parâmetros, dentre os quais estão a taxa de precipitação e o runoff da bacia hidrográfica (excesso de água que escoa pela superfície, já que o solo está com sua capacidade de infiltração máxima). Com o desmatamento, acelera-se a captação de água pela bacia, aumentando o fluxo e velocidade de drenagem a curto prazo”. A longo prazo a tendência prevista pelos modelos climáticos, de diminuição das chuvas e aumento de temperatura, levariam essas bacias a reduzir seu fluxo pela indisponibilidade de água.

Independente da diminuição ou não da precipitação pelas mudanças do clima, o organizador de projetos do LBA (siga em inglês para o projeto) nos EUA, Eric Davidson, reafirma que a retirada da vegetação por si só já é responsável por essa mudança no fluxo dos rios. “Menos árvores na margem e arredores dos corpos d’água diminuem a captação dela para o processo de evapotranspiração da vegetação. Assim, a água vai direto para os rios, sem intermediários, o que aumenta consequentemente o risco de enchentes”, reforça.

Estação seca prolongada

Ter uma estação seca é a característica natural do clima local da porção sul, sudeste e parte do sudoeste da Amazônia (veja figura abaixo). No entanto, estudos do LBA mostram que a duração desse período seco vem aumentando, como resultado de desmatamento e queimadas. “Não foi observada uma redução nas chuvas em geral, mas uma clara extensão da estação seca na região de Rondônia e Mato Grosso. A grande concentração de aerossóis na atmosfera, proveniente das queimadas, atrasa em duas semanas o início da estação chuvosa, intensificando o período de seca e as emissões dessa atividade”, explica Artaxo.

O aumento de aerossóis na atmosfera, que passa de poucas centenas a mais de 40 mil partículas após as queimadas, interfere na formação das gotículas, que se tornam muito pequenas para precipitar em forma de chuva. Mas a formação de nuvens segue e essa obstrução da luz solar, pela neblina e fumaça, causa estresse nas plantas dificulta a fotossíntese.

Gradiente climático da bacia amazônica: A linha azul demarca a bacia amazônica. As isolinhas brancas indicam, em mm, a média diária de precipitação durante os três meses mais secos do ano – apenas para áreas do Brasil. A seta mostra a diferença natural do clima amazônico, úmido no noroeste e com estação seca em direção ao sudeste. As fronteiras nacionais estão marcadas pela linha pontilhada preta.
Com menos precipitação e dificuldade de fotossíntese, pode haver uma mudança na composição das espécies que hoje formam a floresta, levando a uma transformação do tipo cerrado ou savana. “Mudando o aspecto de floresta com copa fechada para uma área de savana, vai diminuir a umidade do solo e facilitar a proliferação do fogo. Se houver várias queimadas, antes da floresta se recuperar, pode haver uma seleção daquelas que resistem ao fogo, modificando a paisagem”, revela Davidson, lembrando que isso é apenas uma possibilidade e que não se pode estender para a área da bacia como um todo.

Amazônia: fonte ou consumidora de CO2?

A extensão da bacia amazônica (7 milhões de km²) também dificulta a observação do ciclo do carbono em toda a região, fazendo com que não se tenha dados concretos se a floresta como um todo consome ou emite mais CO2 (dióxido de carbono). “Ainda não podemos dizer com certeza se ela é fonte agora ou não, mas podemos afirmar que o desmatamento e a mudança do clima indicam que ela se torne uma fonte de CO2, muito mais do que consumidora. Ainda não podemos dizer se já ultrapassamos essa linha”, conta Davidson.

O fator de maior risco para tornar a Amazônia em uma fonte dióxido de carbono é o fogo, destaca o pesquisador norte-americano. Ele lembra que as secas prolongadas e severas de 2005 e 2010 na bacia amazônica resultaram em muito mais focos de queimadas, logo mais emissões de CO2. O que já se sabe é que as regiões alagadas da floresta vêm atuando como grandes emissoras desses gases.

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